Na
madrugada de sexta-feira para sábado (17 de outubro), saímos da
transportadora rumo à Livramento de Nossa Senhora, no interior da
Bahia, levando equipamentos hospitalares.
Monumento ao Pelé, em Três Corações-MG, sua cidade natal |
Tomamos café da manhã no primeiro posto de Minas Gerais, próximo ao posto fiscal de Extrema-MG. O almoço foi num posto antes de Belo Horizonte, que servia comida no fogão à lenha e nos deram desconto porque não comemos carne (nos cobraram R$13). Uma das vantagens de viajar por Minas é que, além da alimentação ser mais barata, tudo é mais negociável, ao contrário das churrascarias de São Paulo que não dão nenhum desconto, mesmo não desfrutando dos mil tipos de carne.
Caminhão levando hélices de torres de energia eólica |
Rodeamos BH em meio a muito trânsito e um cenário urbano nada bonito. Daí para frente um sol impiedoso não nos deixaria, lembrando a cada segundo a falta que fazia o ar-condicionado. Passando Sete Lagoas, a estrada deixa de ser duplicada, até o nosso destino final. Muito diferente são os caminhos do norte de Minas, de grandes retas e um cenário bem mais desértico. Abundam na beira da estrada os pequizeiros, todos em flor. Paramos em uma currutela chamada Augusto de Lima, procurando algo para beber e comer. O menino que atendia no bar se assustou em ter clientes, ainda mais nós dois que, pelo jeito, era bem diferente da sua clientela comum. Ele ficou olhando fixo para a gente todo o tempo e perguntou curioso para a Fran: “cê mais seu marido são da onde?”.
Chegamos em Montes Claros por volta das 20h, mas perdemos muito tempo procurando um posto para abastecer que aceitasse o cartão da frota da empresa e para encontrar uma pousada barata e que tivesse uma garagem que coubesse a Sprinter. Dormimos no Hotel São Pedro, próximo à rodoviária, que nos ofereceu um quarto legal por R$80, além de café da manhã e estacionamento para o caminhão. Tínhamos rodado 1.000 km naquele dia, estávamos exaustos e só conseguimos comer um lanche ali perto.
No domingo (18/10), tomamos café às 06h30 e seguimos nossa estrada para o norte. Vale a pena dizer que pegamos estradas boas em toda nossa viagem – à exceção dos primeiros 20 km saindo de Montes Claros, de estrada toda irregular e psicodélica, que jogava o caminhão de um lado para outro. Mas logo entramos à direita na BR-122, sentido Janaúba e Espinosa. Daí em diante, o calor foi só aumentando, a vegetação ficando cada vez mais seca, a ponto de não sobrar uma folha sequer nos galhos em volta da rodovia.
De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão aparece – já dizia Guimarães Rosa. As estradas que nosso caminhão rodava cortavam os Gerais, dos grandes sertões que desconhecem os limites entre Bahia e Minas Gerais. A vida agreste, o céu sem nuvem, os vales infinitos, os paredões de pedra, as casinhas brancas solitárias lá na serra... um cenário de tirar o fôlego!
Na
fronteira, pouco antes de Urandi (primeiro município baiano),
paramos no posto de fiscalização. O Tonho deu boa tarde e a funcionária respondeu bom dia. Tinha começado o horário brasileiro de verão, na
virada de sábado para domingo, e no nosso relógio já eram 12h30.
Mas a senhora informou que ao cruzar a fronteira, a gente ganhava uma
hora, porque no nordeste não tem horário de verão. Boa notícia,
para quem trabalha contra o relógio na estrada!
Posto fiscal na fronteira da Bahia |
As estradas seguiam desertas, com direito a cactus e aquela miragem no horizonte do asfalto. O álbum do Jhonny Cash que tocava no som do caminhão era a trilha perfeita para aquelas paisagens. Passando por Guanambi, demos carona para João, nosso primeiro caroneiro, até Caetité. Era domingo e os ônibus que ligam as cidades da região eram escassos. Paramos para almoçar pouco depois que deixamos o carona.
No começo da tarde, um imprevisto: uma luz amarela piscando no painel e o caminhão perdendo força! O mesmo problema que deu com a gente voltando de Santos, no mês passado. Tínhamos que seguir viagem assim mesmo, fazer a entrega dentro do prazo e pensarmos depois como fazer no caminho de volta.
Os 200 km entre Caetité e Livramento de Nossa Senhora (passando por Brumado) demoraram muito mais que esperávamos, devido ao problema no carro. O caminho porém valeu a pena. Livramento é uma cidadezinha antiga, de 45 mil habitantes, aos pés das montanhas que fazem parte da Chapada Diamantina. A estrada vai se abrindo pela serra e plantações de manga. Entramos na cidade com o sol querendo se por.
Nosso plano era ter ido a alguma cachoeira, mas o problema no caminhão fez mudarmos os planos. Assim mesmo, aproveitamos o resto do domingo em Livramento. Passeamos na cidade e sentamos num barzinho de esquinapara refrescar a garganta depois daquele dia de viagem. O dono do boteco até nos deu caju e manga com sal.
Era dia de festa de cavalgada e tinha cavalos por toda a cidade! Depois, quando comíamos um lanche, chegou um cavaleiro bêbado quase entrando com o cavalo dentro da lanchonete e derrubando as cadeiras do bar. Foi tanto susto que a criança da mesa ao lado começou a chorar. Encontramos uma pousada bem barata e nos demos o luxo de escolher um quarto com ar-condicionado, por R$50, na pousada Oliveira.
Às
8 horas da manhã da segunda-feira (19/10), estávamos na porta da
clínica para fazer a entrega. Eram dois paletes: um com uma máquina
de fazer mamografia e outro com filmes e demais equipamentos para o
exame. É gratificante levar equipamentos médicos para populações
distantes dos grandes centros, tornando possível os exames para
tantas pessoas que aguardam na fila dos hospitais. Em pleno Outubro
Rosa, é um trabalho que faz a gente se sentir útil!
Descemos o material na plataforma e posicionamos as caixas dentro da clínica. Enquanto aguardávamos a médica responsável chegar, para indicar o local de armazenamento dos equipamentos, tomamos café da manhã com tapioca em uma padaria naquela rua. Antes das 10 horas da manhã, já havíamos cumprido a missão. Mas dessa vez, a volta não seria tão simples.
Entramos
em contato com a transportadora e a solução encontrada foi levar o
caminhão para a concessionária em Vitória da Conquista. Sem perder
tempo, seguimos o caminho. Voltamos por Brumado e daí seguimos pela
BR-030. Almoçamos em um restaurante simples, mas delicioso, na beira
da rodovia em Anagé, onde nos deixaram repetir o prato na faixa, por
não termos comido carne.
Por volta das 15h, chegamos em Vitória da Conquista. Os técnicos passaram o computador e diagnosticaram um problema na injeção, provavelmente devido à má qualidade do diesel que abastecemos em algum posto. Como não dava mais tempo de realizar o conserto naquele dia, tivemos que dormir na cidade. O caminhão ficou na concessionária e nós pegamos carona com o ônibus dos funcionários da empresa até uma região mais central, onde ficavam os hotéis. Nos deixaram na frente do hotel do “bode” (imaginem o naipe do lugar) e decidimos buscar uma pousada com melhor custo-benefício. Fomos descendo a avenida, olhando vários lugares... Por fim, entramos em uma pensão familiar e de cansaço acabamos escolhendo aquele ali mesmo. O lugar era deprimente, o quarto ficava nos fundos de um boteco, no meio da família dos proprietários, e ainda com a privada entupida. Saímos para comer uma pizza (de milho, grande, por R$12,90) e na volta decidimos que não ia rolar ficar na pensão. Cheios de constrangimento, pegamos nossas trouxas e fomos para um hotelzinho um pouco mais caro, na mesma avenida (Hotel Paraíso, R$70).
Na
terça-feira (20/10), às 07h20, estávamos na porta da garagem de
onde saía de volta o ônibus dos funcionários para a empresa.
Conseguimos concluir o processo de regeneração e limpeza da injeção,
fazer o test drive e resolver o problema naquela manhã mesmo.
A concessionária ficava na saída da cidade e dali pegamos a BR-116 de volta. Almoçamos num posto-churrascaria por quilo,
logo que entramos outra vez em Minas Gerais.
Cruzando a fronteira, perdemos a hora que tínhamos ganhado quando entramos na Bahia. Aí seguimos pelas estradas cruzando os Gerais. Pegamos a BR 251, rumo a Salinas, e daí para Montes Claros, onde chegamos às 18h30 e dormimos mais uma vez. Como já conhecíamos a cidade, chegamos direto no local que havíamos ficado três dias antes. Infelizmente, o São Pedro já estava cheio e fomos para uma pousada vizinha, chamada Giovani (R$ 70). Aproveitamos para dar uma volta no centro da cidade e jantamos num restaurante árabe chamado Casa das Esfihas.
Montes
Claros é uma cidade que temos um afeto, entre vários motivos, por
ser a terra da Kombi do Tonho e do Tião Carreiro, entrada para os
Gerais e maior cidade (quase 400 mil habitantes) do norte de Minas,
região produtora da melhor cachaça do estado, do Brasil e do mundo.
Na quarta-feira (21/10), fizemos questão de passar cedinho no Mercadão de Montes Claros, antes de ir embora. Compramos cachaça, requeijão e algumas especiarias da cidade.
Já na BR-135, cruzamos com um andarilho que caminhava sem camisa e sapatos sob o sol quente e sobre o asfalto pegando fogo. Andamos um pouco, mas decidimos fazer o retorno, para ver se ele queria alguma ajuda. A Fran encostou no acostamento e o Tonho atravessou a rodovia, levando água, comida e seu par de havaianas. O rapaz pegou com força a garrafa e a comida e saiu, sem falar nada, deixando para trás as havaianas. Tanto ele, quanto o Tonho, seguiram a viagem sem chinelos.
Mais
adiante paramos para almoçar no posto Chefão, no município de
Curvelo. Atravessamos outra vez o caos da região metropolitana de
BH. Algumas horas depois fomos presenteados com mais um por do sol de
mil cores. Cinco dias e centenas de quilômetros depois, já beirando
meia-noite, conseguimos chegar em Jacareí. Missão cumprida.
Destino: Livramento de Nossa Senhora – BA
Carga: Equipamentos médicos
Distância percorrida, ida e volta: 3.300 km